O
professor Adonai Sant'Anna da Universidade Federal do Paraná, onde está
ocorrendo a maioria das ocupações e por quem tenho profunda admiração, fez uma
publicação em caráter extraordinário sobre as ocupações no seu blog (leia aqui ). Resolvi não só divulgar seu posicionamento como pontuar algumas coisas das quais
discordo.
Achei
louvável o professor ter-se prontificado a ministrar aulas na parte de fora do
prédio, pois a universidade estava ocupada, mas a grande questão, a meu ver, foi
o porquê disso. O movimento está mesmo colocando povo contra povo, mas quem faz
o papel de intermediador nessa história é a mídia, sempre no papel de advogado
do diabo. O professor critica a posição da UFPR em relação às ocupações, a qual
até agora não se posicionou nem contra e nem a favor, com o que concordo
plenamente. Sempre gostei do posicionamento das pessoas e, no caso da
universidade, acho que não é um bom posicionamento, essa neutralidade, já que a
PEC, a Reforma do Ensino Médio e a Escola sem Partido, que estão interligadas, prejudicarão
todas as universidades do país, pois o que está por trás de tudo isso é a
privatização e eles sabem disso. A UFPR deveria, assim como todos os
professores, apoiar as ocupações, que são uma das formas de exercermos a
democracia, tão fragilizada, já que as medidas que o governo vem tomando são ditatoriais
e arbitrárias.
Quando
o professor Adonai se refere ao número de curtidas, compartilhamentos e
comentários, dizendo que, diante do quadro atual são inexpressivos, eu concordo
plenamente, mas isso só reflete o papel manipulador da mídia, que até agora também
simplesmente ignorou os fatos, ou criticou-os,
salvo algumas exceções. Criticar manifestantes pela falta de discernimento só
agrava a situação, aliás esse foi o posicionamento do nosso digníssimo
presidentO. Como professores e seres pertencentes à sociedade deveríamos
apoiá-los e orientá-los, diferente de doutriná-los (enfatizar bem isso, porque
hoje em dia com a Escola Sem Partido tudo vira doutrinação e até aliciamento).
Quando ele fala sobre a cultura afro-brasileira no seu texto e a ênfase dos
alunos que fazem nas ocupações nesse assunto, só tenho a dizer que estão mais
do que certos, pois num país onde temos a maioria de negros e a minoria deles
numa universidade e, principalmente, numa universidade pública, demonstra que
tudo isso tem tudo a ver com essas ocupações e com a PEC que tira dos mais
pobres a oportunidade de ingresso nessas universidades e são eles que sofrem e
sofrerão mais com tudo isso, não tem como negar.
A
aula sobre materialismo histórico, no momento em que o país está, nesse
retrocesso social, é mais importante, pois a conscientização política,
criticada anteriormente, é de extrema necessidade, mais do que aprender
fórmulas. Apesar de ser professora de
física, acredito na interligação de todas as disciplinas como instrumento de
busca da compreensão do meio social e histórico, principalmente o atual.
Acredito
que a física e matemática deveriam estar inseridas dentro desse materialismo
histórico e isso é possível: é só uma questão de pontuar o que é relevante na
situação atual do país, se é mais importante saber resolver equações ou funções
ou saber se posicionar politicamente, fortalecendo a democracia.
Todas as disciplinas são importantes, seja área de
exatas, humanas ou biológicas, só que é exatamente isso que todas essas
reformas impostas vão fazer, tirar a importância de todas e remetê-las a apenas
duas, português e matemática, o resto se tornará irrelevante.
A
meu ver, o grave erro cometido é a falta de posicionamento em favor desses
estudantes, já que toda a sociedade será atingida caso essas reformas sejam
aprovadas (e tudo caminha pra que sejam) e isso não é uma simples manifestação
contra o aumento da passagem do ônibus (não menos louvável), mas algo que se relaciona
à educação e ao futuro do país.
O
grande inimigo do povo brasileiro é a ingenuidade, com certeza, mas em vez de
se unirem contra essas medidas ditadoras, preferem ficar uns contra os outros.
A liberdade de pensamento ocorrerá se essas reformas forem feitas? Não, pois elas
virão exatamente para acabar com o pensamento crítico, o ceticismo, tão
importantes nas ditas ciências da natureza. O momento agora não é de se
posicionar contra estudantes, todos devem estar do mesmo lado, afinal todos
esses anos o que os governantes, junto com a mídia manipuladora, fizeram foi
desestimular, desmotivar e desvalorizar professores, é uma mídia que insiste em
fazer com que acreditem que, para resolver o problema econômico do país, que
eles mesmos criaram, devem sacrificar apenas o pobre e sua educação. O que
falta na sociedade é posicionamento e atitude. A educação liberta!
No
Facebook, os alunos da ocupação publicaram uma resposta também ao prof. Adonai:
Resposta
ao artigo sobre as ocupações publicado pelo professor Adonai Sant'Anna:
(não
temos permissão para publicar no perfil do professor, por isso publicamos por
aqui)
Nossa
resposta aberta:
"
Caro
Professor Adonai,
Muitos
dos que aqui ocupam o bloco PA e PC foram e são seus alunos, e por isso
apreciamos seu oportuno posicionamento.
Algumas
de suas críticas ao movimento são compreensíveis, porém não se confirmam.
Citamos
alguns exemplos, rebatendo algumas dessas críticas:
“Já
não é fácil ter que encarar alunos que não estudam, que não perguntam, que não
questionam o conhecimento supostamente estabelecido, que não conhecem coisa
alguma do mundo onde vivem. Mas mais difícil ainda é encarar um movimento
desfocado e inconsistente, em um ambiente míope e intelectualmente
estagnado"
A
greve estudantil, assim como as ocupações surgem exatamente para estudar,
perguntar e questionar mais o mundo que vivemos, especificamente neste caso o
modelo político vigente, que permite que a MP746 seja imposta sem o necessário
diálogo e debate, o mesmo com a PEC 55. Se a condução desse debate está enviesada
é passível de divergências, mas é inegável que se está discutindo e procurando
entender melhor os meandros da PEC e da MP do que anteriormente ao movimento.
"O
que se faz realmente necessário é conhecimento! E falo de conhecimento que
demanda real esforço para ser alcançado."
E
conhecimento não é o que estamos tentando construir? Estamos nos esforçando
para convidar os cursos ao debate, com contrários e favoráveis a nossas pautas.
Assembleias de cursos, aulas públicas, reuniões constantes, leitura dos textos
da PEC e da MP, estudos da história econômica do país para nos situarmos e
entendermos essas medidas em todas suas dimensões, enfim, abordagens distintas
para a análise mais completa que nos é possível, fugindo de simplificações e
discursos enlatados.
"Os
manifestantes demonstram serem ignorantes ou mal intencionados. Isso porque as
melhores ideias jamais precisaram de movimentos populares para se
estabelecerem. O domínio do fogo, a concepção da agricultura, a mecânica
newtoniana, o cálculo diferencial e integral, a mecânica quântica, a teoria dos
jogos e a teoria da evolução das espécies são ideias que naturalmente se
inseriram nas sociedades desenvolvidas, por serem esteticamente belas e
profundamente práticas. Houve aqueles que se sentiram ameaçados pelas ideias de
Darwin e pela teoria heliocêntrica, entre outros exemplos históricos. Mas eles
foram naturalmente calados pelo tempo."
Aqui
o argumento mais infeliz. Uma resposta completa e exemplificada nos demandaria
mais espaço. Resumiremos alguns pontos.
Esquece-se
do sangue derramado na luta pela consolidação do que o senhor afirma
"ideias que naturalmente se inseriram nas sociedades desenvolvidas".
As grandes transformações sociais, as revoluções, banhadas ao sangue popular,
que permitiram o surgimento de novas eras, rompendo o obscurantismo de eras
anteriores, e.g., do feudalismo ao capitalismo, simbolizada também pela
sangrenta revolução burguesa de 1789, na França.
O
que seria da sua liberdade de cátedra sem o passado de luta de movimentos populares?
O quão diferente seria o panorama da - ainda desigual - ciência brasileira, se
não fosse pela luta de movimentos de emancipação da mulher, da liberdade do
negro, pela democracia? Quantos colegas seus foram perseguidos, perderam o
cargo, foram presos, torturados na luta pela liberdade de pensamento? Quantos
novos Marie Curie, Ada Lovelace, Milton Santos, Neil deGrasse, Albert Einstein,
Alan Turing poderiam ter surgido, mas ficaram pelo caminho, fuzilados,
impedidos, esquecidos, proibidos por aqueles que alegavam, em nome da ciência
de sua época, a legitimidade da opressão à mulher, do racismo, da perseguição a
minorias étnicas e sexuais?
A
nossa luta é política, e isso não exclui a racionalidade. O senhor tenta passar
a imagem de "jovens despreparados emocionalmente",
"irracionais", mas em momento algum vemos alguma fundamentação para
essas ilações, a não ser alguns sofismas muito comuns da crítica rasa que
abundam pela internet, fruto da "era da informação", citada também no
seu texto. Não vemos análise alguma das pautas do movimento, a PEC 55 e a MP
746, o mais importante no momento.
"Parte
de meu trabalho é lecionar para muitos alunos que não estudam, que não
refletem, que não discutem."
Aqui
estamos estudando, refletindo e discutindo.
"Em
contextos sociais, se uma ideia precisa ser imposta, isso significa que
provavelmente não é uma boa ideia, mas apenas um delírio compartilhado por um
punhado de hasteadores de bandeiras."
A
nossa pauta é exatamente a luta contra essas ideias impostas sem que suas
necessidades sejam demonstradas: a PEC e a MP. O que fazer quando uma medida de
amplo alcance e transformação como estas nos são impostas? Consentir ou reagir?
Sobre a ocupações, o que estamos impondo é exatamente o que o senhor diz que
mais falta aos alunos: o questionamento e a reflexão.
Finalmente,
supor que aqui falte "capacidade de discernimento" é subestimar
aqueles que são e foram alunos seus. Como aqui defendemos as melhorias na
pesquisa, qualidade da educação, sem cultivarmos inimigos internos, seja
docente ou discente, decidimos convidá-lo para um diálogo em que as
divergências sejam debatidas, com reflexões e questionamentos de ambas as
partes, em que ideias não sejam impostas, mas construídas. Propomos uma data
ainda essa semana, como sua agenda lhe permitir.
Aguardamos
uma resposta com data e local de sua preferência.
Atenciosamente,
Ocupa
Exatas UFPR.
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