Há um tempo eu assisti um vídeo do Gregório Duvivier, onde
ele fazia um alerta sobre a expansão das universidades privadas no país e sobre
o que, ou quem, estaria por trás disso tudo, ou seja: o mercado.
Vídeo
Com a aprovação da reforma do Ensino Médio, muita coisa eu
já previa e elas, com certeza, não são favoráveis para a sociedade, para a
educação e muito menos para o professorado. Nesse artigo da Intercept, isso é
dito claramente e nos faz temer pelo futuro do nosso país:
20 de Outubro de 2017, 12h49
O PRESIDENTE DO Banco Central, Ilan Goldfajn,
foi convidado pela rádio CBN, em setembro, a dar uma entrevista para comentar
como os investidores estrangeiros estão otimistas sobre o
futuro da economia brasileira. Ele contou que esteve em Nova York e
que, “apesar da nossa incerteza doméstica, eles têm demonstrado muita confiança
no nosso desempenho recente”. Eis como ele explicou o surgimento dessa onda de
otimismo entre a elite financeira global sobre o desempenho brasileiro:
“Houve uma mudança, já faz vários meses, na direção da
política econômica: teve uma responsabilidade maior em termos de contas
públicas, teve reformas como o teto dos gastos, que foi aprovado no final do
ano passado, teve algumas outras reformas como a reforma trabalhista, a
reforma da educação, teve mudanças que permitiram os leilões….” [grifo
adicionado pela repórter]
Ora, por que incluir a reformulação do ensino médio na lista de medidas
econômicas? E por que ela traz felicidade a investidores internacionais? Mais
que um ato falho, quando o presidente do Banco Central cita uma mudança na
política educacional como parte das políticas econômicas, revela a lógica por
trás do “novo” ensino médio: a educação deixa de ser efetivamente tratada como
um direito e passa a ser encarada como mero serviço a ser precificado.
Essa visão vai de encontro ao lema bradado país afora em
outubro de 2016 pelos estudantes que ocuparam suas escolas contra a reforma.
“Educação não é mercadoria”, repetiam os jovens participantes da Primavera Secundarista. Com as mudanças aprovadas e uma
série de cortes feitos no orçamento da educação, ganham os que pensam
exatamente o oposto e que, por isso, fizeram da crise na educação pública
uma oportunidade de mercado.
Alunos ocupam Colégio de Samambaia (Brasília) em ato contra
a reforma do ensino médio.
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Cortes no financiamento do ensino superior combinados à
reforma do ensino médio despertam o paladar do mercado pela educação básica
Este ano, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)
teve 100 mil vagascortadas. Além disso, o Ministério da Educação
reduziu de R$ 7 mil para R$ 5 mil o teto de financiamento mensal por
universitário. Derrubou-se, assim, um dos alicerces orçamentários das faculdades particulares,
principalmente aquelas voltadas para as classes C e D. Como reação ao forte
impacto em suas finanças e ao aumento na inadimplência, acionistas dos dois maiores
grupos empresariais deste mercado — Estácio de Sá e Kroton — voltaram seus
olhos para o ensino básico.
Ocupação de escola em outubro de 2016: secundaristas
protestavam contra a reforma.
Foto: Mídia Ninja
A Kroton Educacional surgiu em 2007, quando a Rede Pitágoras
de colégios e cursos abriu
capital na bolsa de valores e passou a adotar o novo nome. Nos últimos 6 anos, a empresa vinha focando no ensino
superior: comprou e se fundiu a outros conglomerados de faculdades até se tornar a empresa com o maior número de matriculados no
ensino superior do país — um milhão — e com 15% de participação de mercado.
Hoje estão sob sua alçada seis faculdades, com destaque para
a Anhanguera, que possui campi em 20 estados e no Distrito
Federal. O objetivo da Kroton era chegar a sete instituições de ensino, mas o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) vetou a compra da Estácio
por acreditar que a operação seria anticompetitiva. Se a fusão não tivesse sido
barrada, teria criado um gigante de 1,4 milhão de alunos, controlando 25% do ensino superior privado
do país.
Impedida de comprar sua principal concorrente e afetada
pelos cortes no Fies, a empresa decidiu retornar às origens. A Kroton quer
comprar 16 colégios — ou, nas palavras da mídia especializada em
economia, “ativos em educação básica” —, três já estão em fase
final de negociação.
Mercado altamente lucrativo e estável
O mercado financeiro demonstrou gostar da mudança de
estratégia da empresa. Em fevereiro, quando a Superintendência-Geral do Cade
impugnou a compra da Estácio e encaminhou o processo para julgamentodo tribunal do
Conselho, as ações da Kroton registraram o menor valor do ano até agora: R$12,55. No dia em que a empresa anunciou estar prestes a fechar sua primeira compra de um colégio, no
início de outubro, as ações alcançaram o maior preço, negociadas a R$ 21,23.
Índices semelhantes foram registrados pela holding Bahema,
que resolveu ir às compras no segmento da educação básica às vésperas da aprovação da Reforma do Ensino Médio. A
holding nasceu como uma empresa de máquinas agrícolas, foi sócia minoritária em
negócios como Unibanco e Pão de Açúcar e, agora, comprou três
grandes escolas no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em São Paulo. Mais uma
vez, o mercado financeiro respondeu de maneira efusiva: as ações da holding
tiveram alta
de 23,33%.
Enquanto 2% deixaram de pagar as mensalidades escolares,
6% preferiram deixar de pagar a conta de luz
Segundo a consultoria Hoper, o mercado de colégios
particulares movimenta R$ 67 bilhões ao ano no Brasil, enquanto o das
universidades envolve R$ 55 bilhões. Além de gerar mais dinheiro, a educação
básica é prioridade entre os investimentos dos brasileiros. Um estudo da SPC Brasilavaliou as medidas de contenção de
gastos adotadas entre as famílias atingidas pelo desemprego no último ano:
enquanto 2% deixaram de pagar as mensalidades escolares, 6% preferiram deixar
de pagar a conta de luz.
Diante desses números, a educação básica é vista não apenas
como fonte de lucro, mas também como um nicho de mercado estável e confiável.
Afinal de contas, mantém os clientes fidelizados por até 12 anos, do primeiro
ano do ensino fundamental ao último do ensino médio.
Ato dos secundaristas realizado em 2016 contra a máfia da
merenda em São Paulo foi reprimido pela PM e um estudante foi preso.
Foto: Mídia Ninja
Empresário decidiu investir no ensino médio assim que a
reforma foi anunciada
De olho nesses clientes de longo prazo, o maior acionista da
Estácio também decidiu seguir a tendência e centrar esforços no ensino básico.
Chaim Zaher e sua filha, Thamila Cefali, se afastaram do conselho administrativo da faculdade
em outubro de 2016 para se dedicarem a um projeto novo de escola. A decisão foi
tomada semanas depois de a Medida Provisória que deu origem à
reforma do ensino médio ter sido enviada ao Congresso.
Zaher é o fundador do Sistema Educacional Brasileiro (SEB),
composto por 13 instituições, da educação fundamental ao ensino superior. Seu
projeto é deixar o SEB como legado para a filha administrar. Em 2010, o grupo
comprou escolas, investiu no crescimento das instituições e depois vendeu as
ações para a multinacional Pearson, especializada em educação com ativos em 70 países. Este
ano, o SEB comprou de volta essas mesmas redes de ensino por um preço menor que o recebido anteriormente — o
negócio envolve 190 escolas e 70 mil alunos.
Não que a escola gerenciada pelos Zaher seja ruim, pelo
contrário: a empresa oferece um modelo educacional moderno, com professores treinados por
respeitados especialistas,
altos salários e dedicação exclusiva. É um modelo de escola particular voltado
para a classe
A, que adota o currículo “flexível” estabelecido pela reforma do ensino médio
e ainda o leva além, com aulas optativas até para alunos do fundamental.
As mensalidades giram em torno de R$ 6,5 mil reais – e
ainda assim há filas de espera.
É claro que essa não é a realidade de todas as escolas
particulares do país. A “modernização” não deverá chegar às escolas mais
baratas, que devem apenas adaptar as ideias do novo ensino médio ao seu já
tradicional formato de “terceirão”, focado em aprovação no Enem. Em vez de ter
uma turma de “terceirão”, serão cinco, um para cada área de conhecimento criada
pela reforma. É o que explica Fernando Cassio, pesquisador na área de políticas
educacionais e professor da Universidade Federal do ABC.
“Existem duas categorias de educação privada: as de elite e
as que atendem às classes B e C. Esse último tipo absorve o discurso público de
flexibilização, mas adapta a sua lógica de oferecer um produto para o mercado.
Então essas escolas, que são apostiladas e funcionam em formato de ‘terceirão’,
vão absorver os conceitos da reforma do Ensino Médio a partir das práticas que
miram o vestibular, que são as práticas que eles sempre adotaram”.
Compreendendo esses diferentes perfis de “consumo”, o modelo
de negócio do grupo SEB busca diversificar a oferta. Um dos projetos é formar
uma rede de “segmento econômico”, com mensalidade a R$ 550. “A meta é
abrir capital em 2018. Para chegar lá, queremos nos consolidar como uma
companhia com escolas de referência em diferentes nichos”, explicou Zaher ao O Globo.
Dia de Paralisação Geral em 2016 lotou as ruas de Belo
Horizonte (MG) com trabalhadores, e secundaristas.
Foto: Mídia Ninja
Modernizador e atraente para a rede particular, “novo
ensino médio” é impraticável na rede pública
“Você não consegue implementar essa estrutura proposta na
estrutura de financiamento como a que temos [na rede pública]”, resume Fernando
Cassio. Ao estabelecer cinco áreas de conhecimento (Linguagens, Matemática,
Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica), exige-se um número
maior de professores e uma maior especialização desses profissionais, o que
significaria um aumento expressivo no investimento em educação.
No fim, o aluno da rede pública não terá a mesma
possibilidade de escolha.
O problema é que só existe oferta de ensino médio público
regular em 55% dos municípios e, ainda assim, o quadro de
professores é deficitário, dentro de um contexto de congelamento de
gastos aplicado pelo governo. Para conseguir implementar o novo ensino médio, a
solução prática mais próxima da realidade seria dividir as escolas públicas nas
cinco vertentes, o que levaria à criação de ilhas de referência e à limitação
do acesso à educação.
No fim, o aluno da rede pública não terá a mesma
possibilidade de escolha. “Quando falamos que o ensino médio será composto
pelas quatro áreas do Enem e pelo ensino técnico, sabemos que, em muitos casos,
a escola vai fornecer apenas uma ou duas opções de aprofundamento,
principalmente em cidades pequenas”, explicou Renato Janine, ex-ministro da
educação e professor da USP, em entrevista à Carta Capital.
Larissa Coelho, 18 anos, participou do movimento no Colégio
Pedro II de Realengo, na zona norte do Rio de Janeiro e entende que isso
representará um aprofundamento de uma desigualdade de oportunidades que já
existe.:
“Essa ideia de possibilidade de escolha sobre o que se vai
fazer é uma falácia. O aluno da escola pública, que muitas vezes precisa logo
colocar dinheiro dentro de casa, não escolhe fazer o técnico, é movido pela
necessidade. E nem considera a faculdade, porque isso não é permitido a ele.”
De olho no orçamento público
Enquanto as empresas do setor de educação buscam criar um
novo mercado com alta lucratividade investindo pesado em escolas particulares,
na educação pública, a dificuldade de adaptação ao novo formato abre caminho
para que ponham as mãos no orçamento do Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação) via contratos de Parcerias Público-Privadas (PPPs). O fundo teve um
orçamento de R$ 136,9 bilhões no ano passado; um valor que representa,
aproximadamente, 80% do investimento público total feito em educação básica no
país.
Para ter acesso aos recursos públicos sem ter que arcar com
os custos pesados de infraestrutura que rede pública demanda, a estratégia das
empresas é investir em gestão educacional ou outros serviços como parcerias
para “ensinar” aos profissionais das redes municipais e estaduais os conceitos
do novo modelo de modernização do ensino, workshops para seus
gestores se qualificarem segundo a lógica de produtividade empresarial, e
consultorias para traçar a estratégia de adaptação ao novo ensino médio.
O Instituto Ayrton Senna é um dos que apostam nesse
mercado desde 1994. Está trabalhando em Parcerias Público-Privadas
com diferentes secretarias estaduais de educação para implementação
do formato do “novo ensino médio”. Ricardo Paes de Barros, economista-chefe da
instituição, não mediu palavras para falar da empolgação com a possibilidade de
terceirização à revista Isto é Dinheiro em setembro: “No futuro, não tem razão nenhuma o estado gerenciar individualmente
professores e escolas”.
Animados pelo pique do mercado financeiro, investidores que
sequer têm experiência no ramo tentam se aventurar. A justiça de Goiás, por
exemplo, teve que suspender em janeiro deste ano uma licitação para terceirizar a gestão de escolas da rede
estadual. O motivo: as empresas escolhidas não demonstravam ter capacidade nem experiência para
desempenhar a tarefa.”
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