FÍSICA SEM EDUCAÇÃO

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segunda-feira, 15 de julho de 2019

O marxismo cultural existe?


O marxismo cultural





Tudo começou em 2014, quando comecei a acompanhar o mais novo (não tão novo) guru do nosso presidente, Olavo de Carvalho, e suas deduções a respeito de ciência, que é a minha área. Lembro que vi um vídeo dele refutando Isaac Newton e, por ser professora de física e saber que refutar uma teoria científica não é uma coisa tão simples, fui ler os textos onde ele apresentava os “fundamentos” para as tais “refutações”.


A conclusão foi óbvia: apesar de sua boa retórica, as ditas refutações baseavam-se em suposições deturpadas do que é ciência e teoria científica. E esse não foi o único texto que li!  Havia textos onde falava de Einstein, Galileu e outros assuntos. Todos os seus textos (científicos ou não) continham erros crassos de compreensão e interpretação dos conceitos básicos, mas uma coisa me chamou a atenção, a quantidade de seguidores e de pessoas que acreditavam naquelas sandices mal interpretadas por ele. Nem vou falar do palavreado que utiliza nos vídeos, pois os textos são completamente diferentes. Como eu disse, ele tem uma boa retórica que consegue convencer o leitor leigo.

Alguns youtubers, que fazem divulgação científica na internet, chegaram a criar conteúdo de qualidade falando sobre esses erros, mas não atingiram seus seguidores, pelo menos não que eu saiba, e o “olavismo” começa a tomar conta das redes sociais. O fenômeno da desinformação e da ignorância, não só científica, alcançou um patamar jamais visto. 


O pior, no entanto, estava para acontecer:  o Governo Federal atual, mais precisamente o Ministério da Educação, através de seus ministros (o anterior e o atual) defendem a ideia de que as universidades públicas estão permeadas de comunistas e que estamos diante do dito “marxismo cultural” que vinha distorcendo as ideias de nossos jovens e crianças e toda nossa sociedade.
Mas de onde surgiu isso?

Como disse Jessé de Souza em seu livro A Elite do Atraso: “No mundo moderno, quem cria legitimação do poder social que será a chave de acesso a todos os privilégios são os intelectuais”. E Olavo não ignora isso, mas como o próprio Jessé frisa “o presente não se cria sem o passado.”

Numa entrevista de Olavo de Carvalho concedida ao Pedro Bial em março desse ano, as coisas foram se tornando mais claras. Segundo ele, há uma hegemonia às ideias de esquerda dentro das universidades, que é feita através de um procedimento único, a orientação de teses, e que “Quando você aprova (tese) assegura que a próxima geração de professores será igualzinho a você”. “Pega os últimos 30 ou 40 anos e pergunta: Quantas teses anticomunistas foram aprovadas? A resposta é, nenhuma”.



Essa é a primeira inverdade (mentira mesmo!). Nos bancos de teses (eu verifiquei) existem teses que são “anticomunistas” e são muitos os autores citados, de diversas correntes do pensamento, porque, quando uma pesquisa é feita para o desenvolvimento de uma tese, nem sempre os autores citados são os que concordam com o tema que está sendo pesquisado. Aliás, existe algo que se chama “ Revisão por pares” (peer review) de artigos científicos, que “é a avaliação de resultados de pesquisa ou propostas de projetos quanto à competência, significância e originalidade, conduzida por especialistas qualificados que pesquisam e submetem para publicação trabalhos na mesma área (pares)”. (Scielo, 2009). Então, mesma área ou pares não quer dizer que só seus “amiguinhos” irão aprovar ou não sua tese!

Como Jessé de Souza diz no livro citado acima: “Quem atribui prestígio hoje em dia a uma ideia é o prestígio científico, assim como antes era o prestígio religioso ou supostamente divino, toda informação midiática, no jornal ou na TV, procura se legitimar com algum especialista na matéria que esteja sendo discutida. Nessa estratégia de dominação, que é mais simbólica do que material, é a posse do que é tido como verdadeiro que permite também se apoderar do que é percebido como justo ou injusto, honesto e desonesto, correto ou incorreto, bem ou mal e assim por diante. Controla-se a partir do prestígio científico, portanto, tudo o que importa na vida.”

Bom, mas de onde vem a ideia de educação marxista? Exatamente dessas teses aprovadas. Ou seja, Olavo tem razão! Calma! Razão dentro de sua mente deturpada.

A história da educação nos remete a sete tendências divididas em duas partes: as liberais e as progressistas. Para o texto não ficar muito extenso, vou falar apenas das últimas, as progressivas, que vêm a partir de Paulo Freire, constantemente atacado por Olavo e seus seguidores. Freire começa a ser levado em consideração a partir da Escola Nova, que faz parte da tendência liberal, antes da ditadura, e foi suprimida por ela, mas para não me alongar mais ainda os detalhes dessa história, abaixo consta  um vídeo sobre o Ginásio Vocacional (baseando-se na Escola Novista) que é interessante conhecer.



As tendências libertadoras, libertária e atualmente, Crítica Social dos Conteúdos ou Histórico-Crítica, que surgiram pós ditadura, têm em seu cerne as teorias freirianas (Paulo Freire), considerado marxista, (apesar de ter visto somente uma referência a Marx no rodapé de apenas um de seus livros). Os críticos dessas tendências, inclusive e principalmente Olavo, esqueceram de levar em consideração fatores determinantes de uma sociedade e de sua cultura.

O primeiro ponto a ser levado em consideração é sobre o conceito de cultura. Edward B. Tayor, o antropólogo britânico, pai do conceito moderno de cultura, define-a como “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Segundo essa definição, cultura é tudo aquilo que permeia o meio social e a escola é apenas uma ínfima parte dentro desse todo. Mesmo que todos os professores fossem marxistas, o que não é, todo o corpo discente de uma escola não seria, pois além dela (escola) existem outros fatores que são muito mais definidores de suas culturas (igreja, meio social etc.).

O erro de Olavo e seus seguidores é não levarem em consideração toda a história da nossa educação, inclusive a sua desvalorização política e social feita por aqueles que estão no poder desde a expulsão dos jesuítas, e todo contexto social e político. Simplesmente fazem uma análise superficial e partem do princípio de que, para barrarem essa “doutrinação marxista”, devem destruir as universidades públicas e toda as “ideias esquerdistas” que estão em seu interior.

O desmonte das universidades e escolas públicas está sendo feito a partir (também) de uma teoria conspiratória unindo à vontade política de dominar os poderes políticos e econômicos. O resultado é que temos um avanço significativo desse desmonte feito por esse governo, que tem no seu plano a extirpação dessa dita doutrinação alimentado por um cérebro deturpado.


Onde vamos parar eu não sei, mas se faz mais que urgente uma estratégia de difundir as ideias acadêmicas para a sociedade, pois, a meu ver, a mídia não está muito interessada na ciência propriamente dita, mas naquilo que proporciona status e dinheiro. Principalmente levar esse conhecimento aos mais jovens das escolas públicas, através de vídeos, textos, livros, depoimentos etc., mostrando ao Ministro da Educação que ela, a pesquisa científica, não é balbúrdia, como ele mesmo disse. Sei que isso já é feito, mas precisamos, neste momento, de um esforço muito maior e mais amplo.

Referências:

A ELITE DO ATRASO

FREIRE, Paulo. Pedagogia Da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa, 1996. Paz e Terra, Goiânia, Brasil, 2002.

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 2ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.



MONLVADE, João Antonio C. A Valorização dos Educadores na Constituição de 1988: Antecedentes e Consequentes, 2019. Volume V, A Constituição de 1988. O Brasil 20 anosdepois.https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-v-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-os-cidadaos-na-carta-cidada/educacao-e-cultura-a-valorizacao-dos-educadores-na-constituicao-de-1988-antecedentes-e-consequentes, acessado em 20/06/2019.

RIBEIRO, Paulo R. M. História da Educação Escolar no Brasil: Notas para uma Reflexão, 1993.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X1993000100003, acessado em 19/06/2019.

Calô-Nassi, Liliam. Avaliação por pares: ruim com ela, pior sem ela. https://blog.scielo.org/blog/2015/04/17/avaliacao-por-pares-ruim-com-ela-pior-sem-ela/#.XRpn3ehKjcc, acessado em 01/07/2019.