Andrea Trompczynski
Em uma revista de cinema, o
entrevistador perguntou a Cameron Diaz se havia alguma coisa que ela gostaria
muito de saber. “O que E=mc² realmente significa”, respondeu ela. O
entrevistador riu, ela resmungou que estava falando sério e a entrevista
terminou. Nós, leigos, fingimos que entendemos a equação e nem mesmo instruções
em primeira mão ajudam, conta Chaim Weizmann, que fez uma longa travessia pelo
Atlântico com Einstein em 1921: “Ele me explicava sua teoria todos os dias e
logo tive a impressão de que ele a entendia”. Quem preparou o caminho para que
Einstein chegasse ao mais brilhante insight (o segundo mais brilhante, por
coincidência, é dele também) de muitos séculos, ou, talvez, descobriremos um
dia, da história da humanidade?
David Bodanis, em E=mc² – Uma
biografia da equação que mudou o mundo e o que ela significa, deixa de lado os
foguetes, lanternas e diagramas incríveis e conta a história da equação desde
seu nascimento, seus antepassados: homens e mulheres apaixonados por física,
química e matemática. Guerras de egos, roubos de ideias e –uma constante– o
total desprezo de acadêmicos consagrados pelas ideias originais de amadores. A
história toda acaba por se tornar mais prazerosa do que tentar entender os
meandros da genial mente de Albert, e o "como funciona" da famosa
equação deixo para o dia em que eu verdadeiramente entendê-la.
Einstein não era um aprendiz
humilde e exemplar. Questionava a autoridade de professores, contava piadas nas
aulas, isto, quando estava presente. Há aquela famosa profecia do seu professor
de gramática grega do curso secundário: “O senhor nunca chegará a ser alguém na
vida” (anos depois, a irmã de Albert, Maja, comenta ironicamente que ele
realmente nunca foi “alguém” mesmo, pois nunca foi mestre em gramática grega).
Quando a equação nasceu, Albert cumpria expediente no escritório de patentes em
Berna, na Suíça, um emprego arranjado pelo amigo Marcel Grossman –as
referências do gênio eram péssimas. As horas trabalhavam contra ele e, quando
saía, a única biblioteca de ciências da cidade estava fechada, nem sequer podia
se manter em dia com as últimas descobertas (o que foi sua grande sorte, assim
como John Forbes Nash Jr., Nobel de Economia, que se manteve longe do
pensamento acadêmico tanto quanto do “da moda”, sempre em busca da tal “ideia
original”, fato que havia acontecido no passado com Michael Faraday). Em
minutos livres, rabiscava nas folhas que guardava em seu departamento de física
teórica as ideias que tinha –o “departamento de física teórica” era como ele
chamava uma pequena gaveta de sua mesa, fechada a maior parte do tempo.
O Nascimento de E=mc²
Numa das longas caminhadas
que Albert fazia com o amigo Michele Besso, nas quais normalmente tagarelavam
sobre música e a rotina do escritório, na primavera de 1905, Besso percebeu que
o amigo estava inquieto. Einstein sentia que muitas coisas em que pensara nos
últimos meses estavam finalmente fazendo sentido. Estava muito perto de
entender, a excitação mental era enorme naquela noite. No dia seguinte,
compreendeu. E=mc² tinha chegado ao mundo.
Quem esteve por trás disso
tudo antes da chegada de Einstein
Michael Faraday vivia na
Londres de 1810 e trabalhava como encadernador para fugir da pobreza de filho
de ferreiro que era. O emprego tinha uma vantagem, nas palavras dele: “Havia
muitos livros lá, e eu os li”. Quando estava com vinte anos, um visitante da
oficina ofereceu a ele ingressos para uma série de palestras na Instituição
Real. Ouvindo Sir Humphry Davy falando sobre eletricidade e energias estranhas,
imaginou uma vida melhor que aquela da oficina. Sem a mais remota possibilidade
de entrar em Oxford ou Cambridge, pela pobreza extrema, pensou que poderia usar
aquilo que sabia fazer muito bem: encadernar um livro. Redigiu por extenso as
notas sobre a palestra de Davy, acrescentou desenhos de seu aparelho de
demonstração, pegou seu couro, sovelas e ferramentas de entalhar e os
encadernou em um livro extraordinário, que enviou a Sir Humphry Davy. Que,
claro, quis conhecê-lo e contratou-o como assistente de laboratório.
Faraday fazia parte de uma
seita cristã, os Sandemanistas, que acreditavam em uma relação circular divina.
Assim: os seres humanos seriam sagrados e deviam obrigações uns para com os
outros, eu ajudarei você e você ajudará o próximo e o próximo ajudará outro
ainda, e assim por diante até que se complete o círculo. Seu conhecimento
formal era limitado e enquanto os acadêmicos pensavam em linhas retas para
explicar a relação entre magnetismo e eletricidade, ele via círculos rodopiando
em torno dos imãs. Foi a descoberta do século, a base do motor elétrico. A
unificação da Energia. Quando o fio foi arrastado circulando pelo imã, o
cunhado de Faraday, George Barnard, contou que nunca pôde esquecer o olhar dele
e suas palavras: “Você vê, você vê, você vê, George?”. Os diferentes tipos de
energia estavam vinculados, eletricidade e magnetismo, pela mente de um filho
de ferreiro de vinte e nove anos. Então, Sir Humphry Davy o acusou de roubar a
ideia em denúncias públicas de plágio, que fizeram Faraday enclausurar-se e
somente voltar a trabalhar publicamente depois da morte de Davy.
Antoine Laurent Lavoisier
era um contador. Trabalhava numa empresa de arrecadação de impostos. Durante
uma ou duas horas pela manhã e apenas um dia inteiro por semana (que ele
chamava de jour de bonheur, "dia de felicidade") ele trabalhava em sua
ciência. Com a ajuda de sua noiva, ele desejava investigar como se comportava
um pedaço de metal a queimar ou enferrujar. Queria descobrir se pesava mais ou
menos do que antes. (David Bodanis pergunta antes de dizer o resultado o que
você, leitor, acha? Um pedaço de ferro-velho pesará: mais; menos; o mesmo?
Estamos tão preocupados com as coisas, aquele relacionamento amoroso
fracassado, a velocidade de nossa internet, sapatos, o preço da gasolina ou o
abdômen que esquecemos os joguinhos de ciência da infância, foi a minha
conclusão ao perceber que eu não sabia). Mediram o ar perdido, o metal
mutilado, e sempre, o mesmo resultado. Pesava mais. Descobriu que o oxigênio
não havia sido queimado e desaparecido para sempre, havia aderido ao metal a
mesma quantidade de peso que o ar havia perdido. Foi uma descoberta do mesmo
nível da de Faraday, graças a seus dons contábeis, que logo também o matariam.
Jean-Paul Marat havia
inventado um aparelho para exame por infravermelho, apresentou-o a Lavoisier,
que o rejeitou e convenceu a Academia a fazer o mesmo. Achava que os padrões de
calor não poderiam ser medidos da maneira como o médico estava proclamando que
fazia. Marat amargou anos de miséria por culpa desta rejeição. Lavoisier
continuava sua carreira, tanto na Academia quanto na arrecadação de impostos e
teve a ideia de reconstruir um muro ao redor de Paris – havia existido um
semelhante em tempos medievais – para que os cidadãos pagassem um pedágio,
resultando numa maior arrecadação. O povo odiava o tal muro. Quando a Revolução
Francesa começou, Marat fez questão de denunciar e lembrar e relembrar quem o
construiu ao povo inflamado pela revolução, usando seu maravilhoso poder de
oratória para isso. Vingou-se com todo o ódio que acumulou do homem que tinha a
pele bonita dos saudáveis enquanto ele possuía a tez marcada pelas inúmeras
doenças da pobreza. Lavoisier morreu na guilhotina em 1794.
Tragédia Grega
Há tantas histórias mais: de
Lise Meitner que teve o estudo da fissão nuclear roubada pelo ex-amante Otto
Hahn; Ole Roemer, jovem astrônomo que não conseguiu convencer o orgulhoso
mestre Cassini e a Academia de que a luz não era instantânea; Marie Curie que morre de câncer por tanto
estudar a radiação; e, até mesmo Albert Einstein que teve a equação brilhante
quase totalmente ignorada porque não se ajustava, na época, ao que os outros
cientistas estavam fazendo.
Uma história de vaidades
humanas e paixões que fez os maiores avanços científicos de nossa época. Úrsula
Iguarán em Cem Anos de Solidão, repetia sempre que sentia a qualidade do tempo
mudar, envelhecia e via os dias ficarem mais curtos e as crianças crescerem
mais rápido. Eu envelheço e vejo que a qualidade das pessoas mudou. Como tinham
paixão! Hoje, vê-se que os tais jovens brilhantes querem fazer faculdade e ser
alguém. Ah, querem tanto ser alguém! Nossas capacidades contábeis ainda hão de
nos matar como a Lavoisier –sem o glamour da guilhotina. Este livro deu-me mais
perguntas do que respostas. Quando o terminei, Albert Einstein (que odiava o
esnobismo de Princeton e os amigos ouviam-no sempre dizer: “esta vila de
semideuses insignificantes em pernas de pau”) pairava acima da humanidade, com
aquele olhar de indulgência com a desgraça e beleza da natureza humana que
fez-me levantar os olhos do livro com um meio sorriso e pensar: “gênio,
gênio...”.
Vila de semideuses
insignificantes em pernas de pau.
Gênio, gênio...
Saudosismo
Não se fazem mais jovens com
ideias originais como antigamente. Hoje, emburrecemos. Um amigo convidou-me
para um convescote artístico-social em Curitiba. "Haverá muitos
artistas", disse ele, "poetas e escritores". Não, não,
impossível. Poetas e escritores não, com aqueles óculos quadradinhos e olhar de
poeta-e-escritor. Não me venham com intelectuais, por favor. Estou cansada
deles, são tão intelectuais e citam tantos nomes e títulos impressionantes que
minha cabeça dói. Farei um dia uma Caras só para intelectuais. Talvez se chame
Letras e eles poderão mostrar a sua biblioteca-de-impressionar-mocinhas-que-me-acham-genial
em página dupla e colorida. Poses pensando no sofá e lendo Goethe. Olhar
perdido na janela fumando um charuto, meio Fernando Morais. Será um sucesso
editorial! Eles precisam do mesmo espaço hoje em dia de uma modelo-e-atriz. É,
queiram ou não ser poeta-e-escritor hoje é exatamente igual ao modelo-e-ator de
alguns anos atrás. E, desgraça das desgraças, os verdadeiros poetas e
verdadeiros escritores serão chamados de Monstros Sagrados da Literatura, como
acontecia com os verdadeiros atores, e pelo Faustão.
Mundo dividido
Há, sim, uma conspiração.
Contra os fumantes. Se você é fumante, tome cuidado com eles. Apesar de, por
vários motivos, eu ter diminuído meus amados cigarros para o baixo número de
cinco por dia, ainda considero-me fumante. O médico não-fumante disse-me
horrores sobre o cigarro, de cima de seu bronzeado de quem caminha de manhã e
tem ótima capacidade pulmonar. Já o Dr. Orlando, fumante sobrevivente de
infartos, tossindo disse que minha falta de ar era por causa do pêlo do gato.
Quando estava voltando para o Brasil, há uns três meses, um senhor estava
fumando no banheiro do avião para Toronto. Foi um horror, só faltaram prender o
pobre velhinho, a aeromoça e os passageiros não-fumantes olhavam para ele como a
um criminoso. A esposa dele explicava aos comissários de bordo que não poderia
ser ele quem fumou no banheiro (mas foi, pelo olhar de culpa e vergonha) pois
havia parado há um mês. Umas três pessoas se entreolharam, eu inclusive,
solidários com o velhinho em sua mentira e cigarros escondidos da mulher, mas
em completo silêncio. Corríamos o risco de ser linchados e silenciosamente
negamos três vezes nossos cigarros, comentando com quem estava ao lado:
"oh... that´s so terrible". Somos uma sociedade secreta.
Andrea Trompczynski ® 2011
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Andrea Trompczynski – O
livro é um prazer sensorial para mim. Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu
sonho de consumo é uma primeira edição de Finnegan's Wake, com anotações, nas
margens, da Lígia Fagundes Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há
arte mais intensa e nem mais difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever.
Vou em teatro, ouço música, sim. Mas até a HQ para mim está acima da música.
Não adianta. No princípio era o verbo. Os homens são minha forma favorita de
design. Não a humanidade, os homens. Antifeminista convicta, acredito que as
supermulheres perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de
queimar sutiã e hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra
a natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando conheço coisas novas,
é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse muito novo. Por ter
andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair do meu quarto, agora
finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o mundo, não me deslumbro,
não me fascino. Prefiro os livros.
Postado por Vicente Freitas
às 09:10:00
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