O papel e o valor dados à
desvalorização do professorado nos remete a situações históricas e, ao
conhecê-las, percebemos o quanto nosso trabalho se torna árduo para reverter
essa situação. Em uma das muitas pesquisas pela internet me deparei com um
artigo do professor doutor em educação da UNICAMP João Antonio Cabral de
Monlevade, cujo título é “A valorização dos educadores na Constituição de 1988:
Antecedentes e consequentes”. Nesse artigo ele nos remete ao papel e valor dado
ao trabalho dos professores desde a época dos jesuítas, que foram os primeiros
responsáveis pela educação pública básica e vale a pena conhecer a história:
“As principais questões da educação escolar
brasileira estão intimamente ligadas ao papel e ao valor dado pela sociedade ao
trabalho dos seus professores. Neste texto, limitamo-nos à educação básica
pública, que compreende hoje as etapas da educação infantil, do ensino
fundamental e do ensino médio, incluindo a modalidade de educação de jovens e
adultos (EJA), destinada aos que não completaram sua escolaridade na idade
própria. Os primeiros responsáveis pela educação básica pública – consideradas
como tal as escolas gratuitas, financiadas pelo Estado e por ele controladas
politicamente – foram os religiosos jesuítas, que fundaram seu primeiro colégio
no Brasil em 1550, na cidade então nascente de Salvador, sede do Governo Geral
da Colônia. Durante 210 anos, os jesuítas, professores e coadjutores não
docentes, gozaram de imenso prestígio social, graças a sua sólida formação, em
nível superior, sua ação educativa de alta qualidade e do padrão de vida que
levavam em seus colégios. Não havia que se falar de “valorização”, porque já
eram sobejamente valorizados. Exatamente porque constituíram uma verdadeira e bem-sucedida
empresa comercial, que vendia milhares de cabeças de gado criadas nas fazendas
que ganhavam da Coroa, acabaram sendo vítimas da cobiça dos governantes
portugueses, quando de uma crise financeira da metrópole. Os mais de 2.000
religiosos que, em 1759, trabalhavam em 17 colégios e 200 escolas de primeiras
letras, foram presos, expulsos do Brasil e de outras colônias e embarcados para
Roma nos porões dos seus próprios navios. Diante do ocorrido, quem passou a
exercer o magistério nas escolas primárias e secundárias do Brasil?
Num
primeiro momento, religiosos de outras Ordens, como franciscanos, carmelitas,
dominicanos e até beneditinos, mais afeitos à vida contemplativa e à pastoral
dos sacramentos. A partir de 1772, os “mestres régios”, autorizados pela Coroa
e assalariados pelas Câmaras Municipais, que governavam as vilas e cidades. Nesse
momento, começa a questão do “desvalor” do trabalho dos professores, tanto pelo
seu despreparo científico e pedagógico, quanto, principalmente, pelos
baixíssimos salários que recebiam, insuficientes para a subsistência pessoal e
de suas famílias, conforme relatos de alguns constituintes do Império, em 1823.
A prática de pagar salários indignos perdurou por todo o século XIX, e adentrou
o século XX, constituindo-se exceções somente os honorários dos professores de
Liceus Secundários e Escolas Normais, entre 1870 e 1950. Os professores
primários tinham vencimentos tão baixos que foram paulatinamente substituídos
por mulheres, cujo sustento já era garantido pelas rendas do pai ou do marido,
e que usavam o parco salário para despesas – dizia-se – do “pó de arroz”. De
1930 em diante, com a acelerada urbanização do País, e consequente expansão do
número de escolas, de matrículas e de funções docentes, a educação básica
pública não mais dispôs de professores e professoras oriundos das classes altas
e médias. Tornou-se, assim, o baixo salário um problema crucial das escolas
públicas, obrigadas a multiplicar turnos de trabalho para garantir maior
remuneração a seus profissionais, que, cada vez mais, dependiam dela para a
sobrevivência. Na década de 1950 e seguintes, aproveitando-se da inflação
crescente que desvalorizava o cruzeiro, a moeda que então circulava, os
governos estaduais –responsáveis por quase toda a rede de escolas secundárias –
foram obrigados a pagar cada vez menores salários a seus professores, não obstante
a destinação de 20% de seus impostos à manutenção e desenvolvimento do ensino,
garantida pelas Constituições de 1934 e 1946. Despontaram nessa década os
primeiros movimentos reivindicatórios dos professores, com greves, inclusive,
em associações profissionais, já que lhes era proibido, como servidores
públicos, constituir sindicatos. Com a Ditadura Militar, os professores foram
submetidos a um regime de dócil contemporização com o “fato consumado” de sua
desvalorização e compensados com alguns privilégios, tais como a aposentadoria
especial, com cinco anos menos de trabalho que os demais cidadãos, e outras
“vantagens” corporativas. Além disso, os mais talentosos e ambiciosos tiveram a
oportunidade de migrar para as carreiras do ensino superior federal e estadual,
em franca ascensão, ou tornarem-se empresários da educação escolar privada. Em
1960 fundou-se a Confederação dos Professores Primários do Brasil e em 1972,
com a Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus, ela passou a congregar todos os
docentes do País, à exceção do ensino superior. Difundiu-se, então, a
consciência de “classe desvalorizada” e aos poucos amadureceram propostas de
“revalorização”.
As discussões na Constituinte Em
1986, realizaram-se as eleições para o Congresso Nacional – Senado e Câmara dos
Deputados – com a missão de redigir uma constituição democrática para o Brasil.
Foram eleitos alguns senadores e deputados que tinham um passado de lutas pela
educação pública, e pela valorização do magistério. Entre eles, o Senador João
Calmon, a quem se devia a revinculação de impostos à Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino (MDE) em 1983 (agora 25% da receita dos estados e dos
Municípios), os deputados Florestan Fernandes, baluarte na defesa da escola
pública após o falecimento, em 1970, de Anísio Teixeira, Hermes Zanetti,
presidente da Confederação de professores do Brasil (CPB), e Gumercindo
Milhomem, diretor da mesma confederação e presidente da Associação dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), maior e mais
aguerrida associação de professores, a esta altura já envolvida em greves e
mobilizações de massa naquele estado. A Constituinte foi organizada em oito
comissões e 24 subcomissões. Entre estas, a Subcomissão de Educação, Cultura e
Esporte foi presidida por Hermes Zanetti, tendo João Calmon como relator. Os
senadores e deputados constituintes sabiam que a valorização dos professores da
educação básica pública, a partir do texto legal, não seria tarefa fácil.
Primeiro, porque houvera um movimento histórico de desvalorização salarial dos
educadores públicos, na medida em que aumentava o tamanho das redes e a
arrecadação de impostos não acompanhava este ritmo de crescimento. Segundo,
porque a maioria dos professores detinha, naquele momento, uma formação frágil,
raramente superior ao nível médio, numa sociedade que passara a valorizar o
diploma de educação superior. Terceiro, porque os professores pertenciam a
milhares de carreiras municipais e a dezenas de carreiras estaduais, com
disponibilidades financeiras desiguais, e na composição de seu salário não
tinham a contribuição do Tesouro da União, como acontecia com os docentes das
universidades federais e com algumas carreiras civis e militares. Quarto,
porque tinha nascido um setor ao qual interessavam a desvalorização salarial
dos professores públicos e sua jornada parcial: os donos de escolas privadas
contavam com isso para recrutar mão de obra mais barata para seus estabelecimentos,
a esta altura já tidos pela sociedade como “de melhor qualidade”. Todos na
subcomissão – pelo menos em público – concordavam em que os professores
precisavam ser mais valorizados, e que isso compreendia o pagamento de melhores
salários. O problema era o “como”. O Senador Calmon já estava “calejado” de sua
perseverante luta em conseguir a vinculação de impostos para a MDE, e sabia que
era preciso uma participação da União para garantir melhores salários nos
estados e municípios onde esses “percentuais vinculados” não eram suficientes.
Os deputados sindicalistas, oriundos ambos de estados mais ricos, achavam que
seria necessário um mecanismo legal não somente para financiar como para
obrigar os governadores a pagar uma quantia “mínima” aos professores, que lhes
servisse de base na progressão da carreira. A carreira profissional, que
garantisse estabilidade e melhoria salarial progressiva, era um ponto de
concordância de todos os constituintes, bem como o ingresso nela por meio de
concursos de provas e títulos acadêmicos. Chegou-se então à ideia de um “piso
salarial nacionalmente unificado”, a que correspondessem salários financiados,
em parte, pelo respectivo governo, e em parte por recursos suplementares da
União. Para isso, era preciso abrir o caixa do Tesouro mais em direção à
educação básica e menos – relativamente – às universidades. De 13%, o Senador
Calmon propôs subir para 18% o percentual dos impostos da União destinados à
MDE. E, a modo de proposta mais definitiva, o texto da subcomissão indicava a
carreira nacional do magistério como horizonte de valorização de todo o
magistério da educação básica, independentemente de que ente federado
financiasse suas remunerações.
O texto conforme promulgado Como era de se
esperar de um Congresso de maioria conservadora, não obstante os ventos de
democratização que sopravam no País, “carreira nacional” e “piso nacionalmente
unificado” foram expressões expulsas do texto final, principalmente depois da
ação dos constituintes do “centrão”, agrupamento majoritário de perfil
conservador, que se opôs a tendências “esquerdizantes” e “socializantes” que
viessem das comissões temáticas. Conforme se poderá perceber pelas palavras
consagradas nos artigos de 205 a 214, que tratam da educação, prevaleceu um
“compromisso” entre possíveis conquistas dos que defendiam a solução pública
das demandas educacionais e os interesses privatistas ou clientelísticos,
cobertos pela legislação então vigente. Em geral, pode-se dizer que os avanços
se concentraram nos textos conceituais ou de “princípios”, incluindo o que
trata do plano nacional de educação, e as amarras se fizeram em detalhes desses
próprios artigos e em dispositivos mais “práticos”, que respaldavam costumes
arraigados, como o do acúmulo de cargos e o de concessão de bolsas para escolas
privadas com verbas públicas. Além disso, a subvinculação, por dez anos, de
metade dos recursos de MDE da União, dos Estados e dos Municípios à erradicação
do analfabetismo acabou regulada por um texto que desobrigava cada ente federado
a investir nesta política, o que inviabilizava qualquer controle no uso dos
recursos. Vinte anos depois, ainda temos cerca de 10% da população analfabeta.”...
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